sexta-feira, 27 de julho de 2012

RECADINHO DE MAR




Quero contar-te coisas de mar.

Como depois da tempestade da noite se intensificou o cheiro a maresia e nas pocinhas de água cheias de limos, tudo fluí com a calma e o silêncio de antes.

Quero contar-te, que depois de subir ao alto das rochas, lá onde só devem atrever-se as gaivotas, descobri planícies de mundos maravilhosos!

Algas luminosas que embrulham peixes e conchas com vergonha do olhar do sol.

Esponjas que pintam o ventre às rochas de cor de laranja, estrelas do mar e anémonas em tons de rosa que enfeitam os jardins onde agora passeio.

Em ninhos escavados nas rochas e feitos de conchas, vivem ouriços que se alimentam de sopinhas de espuma que sorvem das ondas. E em grutas quase submersas pelas águas, escondem-se peixes raros e fugidios, caranguejos pachorrentos e polvos que quando descobertos fogem atarantados de susto!
 
Seres que fazem aparecer na areia esculturas maravilhosas, num labor de paciência e minucia.

O mar, o mar está exatamente como gosto: de um azul muito brilhante, com reflexos brancos até onde a vista alcança. Coisas que nunca saberei escrever…

Fosse o que te escrevo uma carta e mandar-te – ia dentro, uma concha, uma alga, um pouco de espuma de mar. Mas com fazê-lo, se não passa de um recadinho?



terça-feira, 24 de julho de 2012

CANÇÃO PARA LER


Tu penses à quoi

A la langueur du soir dans les trains du tiers monde ?
A la maladie louche ? Aux parfums de secours ?
A cette femme informe et qui pourtant s'inonde ?
Aux chagrins de la mer planqués au fond des cours ?
A l'avion malheureux qui cherche un champ de blé ?
A ce monde accroupi les yeux dans les étoiles ?
A ce mètre inventé pour mesurer les plaies ?
A ta joie démarrée quand je mets à la voile ?
A cette rouge gorge accrochée à ton flanc ?
Aux pierres de la mer lisses comme des cygnes ?
Au coquillage heureux et sa perle dedans
Qui n'attend que tes yeux pour leur faire des signes ?

Aux seins exténués de la chienne maman ?
Aux hommes muselés qui tirent sur la laisse ?
Aux biches dans les bois ? Au lièvre dans le vent ?
A l'aigle bienheureux ? A l'azur qu'il caresse ?
A l'imagination qui part demain matin ?
A la fille égrenant son rosaire à pilules ?
A ses mains mappemonde où tremble son destin ?
A l'horizon barré où ses rêves s'annulent ?
A ma voix sur le fil quand je cherche ta voix ?
A toi qui t'enfuyais quand j'allais te connaître ?
A tout ce que je sais et à ce que tu crois ?
A ce que je connais de toi sans te connaître ?

A ce temps relatif qui blanchit mes cheveux ?
A ces larmes perdues qui s'inventent des rides ?
A ces arbres datés où traînent des aveux ?
A ton ventre rempli et à l'horreur du vide ?
A la brume baissant son compteur sur ta vie ?
A la mort qui sommeille au bord de l'autoroute ?
A tes chagrins d'enfant dans les yeux des petits ?
A ton cœur mesuré qui bat coûte que coûte ?
A ta tête de mort qui pousse sous ta peau ?
A tes dents déjà mortes et qui rient dans la tombe ?
A cette absurdité de vivre pour la peau ?
A la peur qui te tient debout lorsque tout tombe ?

Tu penses à quoi ? dis, tu penses à qui ?

A moi ? des fois ? ...

Je t'aime



 Léo Ferré



sábado, 21 de julho de 2012

MAR EM AZUL SILÊNCIO


                ( Alex Alemany)



Para ouvir esta cor de mar, é preciso acordar antes do sol.

Quando o mar ainda dorme embrulhado numa colcha de estrelas e a lua espreita lá do alto como se fosse uma luz de presença em quarto de menino.

Só nesta altura se consegue ver o miolo do silêncio.

Estão já alguns barcos de regresso à praia e outros preparando-se para sair. Vistos de longe parecem pequenos pirilampos a descansar nas águas das fadigas da noite.

A neblina noturna vai-se abrindo aos poucos como cortina para deixar entrar o sol que de mansinho com as suas pantufas douradas chega pé ante pé à praia e daí vai sacudindo o mar com pancadinhas ternas aquecendo-lhe os lábios com os seus raios. O mar enche-se de preguiça para que o sol se demore por mais tempo nos seus ombros e nos seus lábios…

Nas areias vão-se espalhando estrelas nascidas dos fios de água e de algas e já bolem caranguejos mar acima mar abaixo.

Saídas das águas aparecem as gaivotas, que ora bailando nas ondas ora mergulhando nelas, são as únicas que se atrevem a gritar a beleza e os silêncios do azul.

Mais logo, virão meninos correr na beirada e chapinar no azul, gritando felizes, alterando as cores do silêncio e nem o sol, nem o mar, nem ninguém se importará.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

terça-feira, 17 de julho de 2012

OS SAPATINHOS DA BRANCA DE NEVE




Já sei o que estão a pensar!

Que há aqui um equívoco qualquer, que os sapatinhos da Princesa Branca de Neve não interessam nada para a história. Que os sapatos fazem parte importante de outras histórias.

Imagine-se que os sapatos são importantes e muito em histórias de Princesas que começam descalças, quer dizer, em histórias onde alguém por pura maldade tira os sapatos às Princesas.

Também sei de histórias onde as Princesas não usam sapatos. Nalguns casos porque não se usam sapatos nas Terras dessas Princesas e outras vezes porque as princesas não vão em modas e não gostam simplesmente de usar sapatos. Sou até de opinião, que a maioria das princesas usa sapatos porque as Rainhas Senhoras suas Mães as obrigam.

Mas a minha opinião também não interessa para nada nesta história que tem só mesmo a ver com os sapatinhos da Branca de Neve.

Talvez deva começar por dizer, que até ontem estava fora das minhas cogitações pensar nos sapatos da Branca de Neve. Porque é verdade que me é também completamente desconhecida qualquer versão da história onde os sapatos sejam sequer referidos como pormenor, porque os pormenores, já se sabe, estão lá mas não interessam grande coisa?!

Mergulhando na verdade da história e partindo do princípio de todas as histórias, de que nelas, todas as verdades são inventadas.

A Princesa Branca de Neve usava sapatos amarelos, só por mero acaso, a minha cor de sapatos preferida! E nunca em tempo algum a própria ou alguém lhe tira os sapatos! Lembro que no filme da Disney a Princesa não tira sequer os sapatos para dormir! E o que poderia parecer um mau exemplo para todas as Princesas não passa de um mero pormenor. A Rainha sua madrasta, essa sim é importante para a história e a maçã e os Anões e claro o Príncipe!

Mas na história que quero contar, os sapatos da Branca de Neve são de extrema importância! Tanta, que sem eles não haveria história.

É que, BRANCA DE NEVE, é tão-somente a sapataria para criança mais antiga da cidade do Porto. Fica no número, 382 da rua de Santa Catarina e calça por medida seguramente há mais de um século os pés de meninos e meninas que acreditam em histórias.

Na montra pode ver-se a Princesa e os Anões rodeados de sapatinhos de todas as cores e feitios e todos os que não existirem, eles fazem! E digo eles, porque quando era pequena, eu queria uns sapatos amarelos que tivessem um malmequer de lado e quando minha mãe se preparava para dizer que, iam mesmo sem malmequer. Logo a empregada, que devia ser uma fada que embora não entrando na história da outra Princesa, disse que os Anões acrescentariam o pormenor do malmequer num simples dia. Não sei como, minha Mãe foi na conversa e recordo desde então o par de sapatos mais maravilhoso que tive!

Eu, que adoro andar descalça, tenho pena que a Branca de Neve já não faça sapatinhos para a minha medida.

Mas quando passo em frente à montra, não resisto a parar e a olhar os sapatinhos amarelos que só eu consigo ver. E os cavalinhos de madeira do carrocel onde um dia rodopiei e onde continuam a sentar-se meninos e meninas à espera de sapatinhos por medida que a mim ainda me enchem as medidas!



sábado, 14 de julho de 2012

MIMOS DE CHUVA


 ( Eu com guarda chuva, mimo da minha filha mais nova)
 
O senhor António dono do bar cá da praia, queixava-se esta manhã que não fora a crise para arredar as pessoas da beira-mar, o estado do tempo também não ajudava nada!

É verdade que a nortada tem-se instalado na praia revolvendo a areia o que torna difícil a veraneante que se preze posar para o sol. A bem dizer, o sol também anda tímido, tanto, que passa quase todo o dia atrás das nuvens. A lembrar o verão só mesmo ao finzinho da tarde quando o vento vai bulir com outras praias e o sol resolve dar o ar da sua graça empurrando as nuvens para longe conferindo à praia o ar da estação porque tanto espera o senhor António e todos os que anseiam torrar nas areias.

Ele vai chegar um destes dias. Nem que seja mais para o outono.

Agora que tive pena do senhor António, lá isso tive. Quando a seguir ao almoço começou a chover o ar desolado do pobre homem comoveu-me. Nem tive coragem de pedir-lhe que me levasse o café à esplanada. Mas quando me perguntou:
- Lá fora, ou cá dentro?
A resposta saiu rápida. Lá fora!

Na verdade já ninguém por ali achava esquisito que tomasse café à chuva. Fazia-o tantas vezes!

E como me diverte o olhar daqueles que certamente pensam que tenho um parafusito a menos.

Não imaginam como é bom um café sem guarda chuva. Assim como sem guarda chuva, é bom passear na praia vazia e sentir na pele as gotas de mar e de nuvem. Nunca poderão saber a que cheira e a que soa a praia quando chove.

Lamento pelo senhor António, que está na minha praia há tantos anos quantos o mar, mas quem sabe um dia outros apreciem como eu estes mimos de chuva.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

CARANGUEJO À PROCURA DE AZUL




Era uma vez o mar
e eu a desejar amar-te a passo de caranguejo!

terça-feira, 10 de julho de 2012

" SEMPRE DESEJEI QUE O MEU REINO FOSSE O DA DISSONÂNCIA "


        ( Graham Franciose )

       

Aos pássaros que gorjeiam prefiro os que grasnam
como os corvos ou  os que piam na escuridão
como as vigilantes corujas brancas que infestam os meus
bosques.

O canto melodioso amolece os corpos
e anestesia as almas que renunciam à reflexão e ao tormento
e temem o rumor do dia predatório.
Sempre desejei que o meu reino fosse o da dissonância:
do gavião que, pousado na estaca, rumina a sua impiedade,
dos pássaros grasnantes que incomodam os partidários de uma
regência musical do mundo
como se estivéssemos num teatro, ouvindo uma sinfonia.
Ao gorjeio que conduz ao deleite e embala o sono
oponho o grasnido que semeia
a insônia e o desconforto.


Lêdo Ivo