segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Fugir da Praia



Num tempo longe como o da foto em que me encontro à beira mar com minha bisavó Rita, a praia fazia parte de mim e do meu verão. Costumava rumar à Póvoa de Varzim, na companhia das manas dos primos e de alguns amigos. Sob o olhar atento e paciência infindável dos avós da bisavó e de Ana posso dizer que passei momentos absolutamente maravilhosos que nem sei porquê me apetece hoje desarrumar!

O dia começava cedo na casa da praia. A avó queria todos na praia logo pela manhã é que segundo ela o iodo da manhã era o melhor para a saúde e a única forma de se protegerem das constipações durante o resto do ano. Ao que consta eu começava logo a manhã a dar problemas, detestava levantar-me cedo, fazia sempre birras para me levantar e demorava horas a tomar o pequeno-almoço. À chegada à praia havia ainda que passar pelo ritual da colocação do creme, Ana coitada repetia centenas de vezes que eu estivesse sossegada, que só podia ir brincar depois de bem besuntadinha!

Depois chegava a hora do banho, os mergulhos as brincadeiras… pensar que só saia do banho quando já estava completamente roxa dá-me vontade de rir, hoje tem dias em que considero molhar os pés um acto de puro suicídio! 

No final do banho e já todos a lanchar passava o vendedor de batatas fritas bolos e da bolacha enrolada tanto do meu agrado que dava pelo nome de língua da sogra! Normalmente os avós deixavam que usufruíssemos destes pequenos prazeres duas vezes na semana! Mais um pouco de brincadeira e regressávamos a casa para o almoço e a tão detestada por mim, sesta!

Voltávamos à praia ao fim da tarde para mais uns mergulhos e mais brincadeiras. De novo em casa fazíamos fila para a banheira e depois do jantar ouvíamos histórias maravilhosas contadas principalmente pela “minha Ana” a avó ensinava letras e melodias de canções e era desafiada pelo avô para uns passinhos de dança! E assim as horas iam preparando o sono porque amanhã haveria outro dia de sol e de mar ainda que com algumas birras à mistura!

Hoje confesso a minha total indiferença pela praia no verão! 

Só me levanto cedo se for para ver o sol acordar a praia. Já com a praia bem acordada regresso a casa para voltar às vezes ao fim da tarde, principalmente se me apetece pintar os olhos de por do sol.

Mas o que eu gosto mesmo é de fugir da praia no verão!



quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Ilhas que vivem dentro de nós


Dona Regina era mesmo uma pessoa difícil de entender!

Raramente sorria, a ternura parecia não morar dentro dela e quando se lhe metia uma coisa na cabeça… Aí é que não havia mesmo nada a fazer. Não aceitava qualquer tipo de argumento contrário ao seu, tudo tinha de ser como ela dizia. Ai de quem se atrevesse a contraria-la a fazer perguntas que não estavam nas soluções do seu livro de professora… Era certo e sabido que copiaria uma centena de vezes a definição por ela aventada para que ficasse bem encaixada, parafraseando a própria!

Lembra o dia em que Dona Regina mandou abrir o livro de geografia e lhe pediu que lesse a definição de ilha. Antes que tivesse tido tempo de começar a desagradável senhora disse ainda em tom ríspido:

- Leia alto, clara e pausadamente para que todos consigam perceber sem que tenha de me esforçar muito!

“- Ilha, porção de terra rodeada de água por todos os lados, onde só é possível chegar por ar ou de barco.” Ainda mal tinha acabado de pronunciar a palavra barco e já Dona Regina argumentava:

- Ora aqui está a forma como quero que me definam ilha cada vez que eu pergunte! Alguém tem dúvidas?

Claro que ninguém se atrevia a fazer perguntas. Todos conheciam o génio de Dona Regina e os seus castigos eram já famosos em toda a escola, ninguém queria levar para casa toneladas de coisas inúteis para fazer e muito menos ficar sem pôr os pés no recreio durante semanas!

Ela própria já tinha experimentado a ira de Dona Regina quando numa composição sobre as férias afirmara que os trabalhos de casa marcados pela professora tinham sido a parte menos boa das mesmas. Se ao menos a sua Professora continuasse a ser Dona Laura…

Dona Laura nunca começaria a lição com uma definição. Aliás aprendera com ela que,” uma coisa nunca é, mas está sempre a ser!” Porque na definição de qualquer coisa conta o que eu penso dela, o que eu vejo nela e o que eu consigo imaginar…

Certamente Dona Laura pediria que imaginássemos uma ilha, a nossa ilha, que poderia nem ter terra nenhuma nem mar nem rio…

Um dia o Avô Miguel lera-lhe um livro que falava das ilhas que temos dentro de nós, aquelas que não vêem em nenhum mapa que só nós conhecemos porque um dia ousamos imagina-las. Ilhas que só vivem dentro de nós ou nós dentro delas. Ilhas que fazem parte do nosso infinito pessoal e intransmissível…

Ainda bem que Dona Laura e o Avô Miguel nunca lhe ensinaram nenhuma definição de ilha. Se tal tivesse acontecido nunca descobriria dentro de si ilhas que às vezes nem sonhava existirem!

domingo, 7 de agosto de 2011

Fui à beira do mar



Fui à beira do mar
Ver a que lá havia
Ouvi uma voz cantar
Que ao longe me dizia

Ó cantador alegre
Que é da tua alegria
Tens tanto para andar
E a noite está tão fria

Desde então a lavrar
No meu peito a Alegria
Ouço alguém a bradar
Aproveita que é dia

Sentei-me a descansar
Enquanto amanhecia
Entre o céu e o mar
Uma proa rompia

Desde então a bater
No meu peito em segredo
Sinto uma voz dizer
Teima, teima sem medo


terça-feira, 2 de agosto de 2011

"Minha Canção Vai Comigo"



Por aqui vou sem programa,
sem rumo,
sem nenhum itinerário.
O destino de quem ama
é vário,
como o trajecto do fumo. 

Minha canção vai comigo.
Vai doce. 

Tão sereno é seu compasso
que penso em ti, meu amigo.
- Se fosse,
em vez da canção, teu braço!  

Ah, mas logo ali adiante
- tão perto! -
Acaba-se a terra bela.
Para este pequeno instante,
decerto,
é melhor ir só com ela. 

(Isto são coisas que digo,
que invento,
para achar a vida boa …
A canção que vai comigo
é a forma de esquecimento
do sonho sonhado à toa …)


Cecília Meireles