quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Que vou ser quando crescer?






Que vai ser quando crescer?
Vivem perguntando em redor. Que é ser?
É ter um corpo, um jeito, um nome?
Tenho os três. E sou?
Tenho de mudar quando crescer? Usar outro nome, corpo e jeito?
Ou a gente só principia a ser quando cresce?
É terrível, ser? Dói? É bom? É triste?
Ser; pronunciado tão depressa, e cabe tantas coisas?
Repito: Ser, Ser, Ser. Er. R.
Que vou ser quando crescer?
Sou obrigado a? Posso escolher?
Não dá para entender. Não vou ser.
Vou crescer assim mesmo.
Sem ser Esquecer.

Carlos Drummond de Andrade


domingo, 26 de setembro de 2010

História de um dia que começou com nuvens e acabou cheio de sol


Esta é a história de um dia que começou como tantos outros. Tantos outros de sol com algumas nuvens à mistura.

Tinha acabado de chegar à minha escola nova, os meninos também eram todos novos e tão pequeninos, que partia o coração tirá-los do colo das mães.

Ainda mal nos conhecíamos, os pequenos que vinham pela primeira vez à escola olhavam-me expectantes, desconfiados e algo tristes, alguns muito tristes até, por não entenderem bem porque tinham de estar ali com gente que não conheciam de lado nenhum.

Foram poucos os que consegui seduzir com a música que escolhi para começar o dia.

Por mais que os acolhesse no colo e os envolvesse em abraços, não conseguia acabar com a sinfonia de choro e grito… confesso, estava a ser uma manhã difícil!

Ah! Esqueci de dizer, que a minha escola nova não tem mar ao fundo. E isso é muito importante para o que vou contar a seguir!

A escola fica ao lado de uma quinta. Os carneirinhos e as ovelhas e cabras bem como os patos, já me haviam ajudado a ultrapassar outras manhãs igualmente difíceis, mas o que eu nunca imaginei era que nesse dia, um galo viria em meu socorro!

Estávamos então na parte da sinfonia inacabada para choro e grito, lembram-se?

Quando de repente…. Pela porta que dá para o recreio, entra um galo!

Olhos e bocas de espanto os meninos fizeram silêncio por momentos, para logo desatarem a correr atrás do galo. O pobre do animal quando viu uma turma inteira correr na tentativa de o apanhar, fugia sem norte nem sul pela sala, conseguindo encontrar de novo a porta fugiu para o recreio. A perseguição continuou, suponho que na cabeça do galo por momentos deve ter passado a ideia de que iria talvez virar canja para o almoço. Sobretudo quando consegui agarrá-lo e arranquei muitas palmas das mãozinhas dos meninos.

Ao principio parecia assustado, mas depressa percebeu que os meninos só queriam conhecê-lo e fazer-lhe umas festinhas. Combinamos então pô-lo no chão para que o galo pudesse ir à vida dele, antes que tivesse encontrado o lugar por onde entrou, o Rodrigo despediu-se assim:

-Adeus galo Xico, amanhã vou trazer milho para comeres!

O galo olhou para trás como se tivesse aprovado o nome e percebido a mensagem e desapareceu entre a folhagem.

Resta dizer que o dia girou em torno do galo Xico. O galo que escreveu esta história tão simples, mas verdadeira.



domingo, 19 de setembro de 2010

“Coisas que ficam para toda a vida cá dentro do coração.”


Que coisas serão essas, as que ficam para toda a vida cá dentro do coração?

Devem ser realmente as mais importantes, as que dão sentido à nossa vida, as que nos ajudaram a tornar-nos gente de verdade, doutra forma já nem nos lembraríamos delas.
Quem me teria ensinado a amar tanto a vida?
Quem me ensinou a inventar o sol quando chove dentro de mim?
Porque gosto tanto de olhar o céu, as estrelas, a lua, as flores, os pássaros….
O mar…
Porque dou tanta importância ao tamanho dos sorrisos? Quem me ensinou a querer mais a querer diferente?
Quem me ensinou a guardar no meu coração as lembranças belas?
Os meninos que tive de deixar um dia, quem me ensinou a amá-los tanto?
E onde terei aprendido, que os meninos longe hão-de crescer, que virão mais meninos…
A quem não ensinarei coisa nenhuma…

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Garça Perdida


"Anoiteceu
no meu olhar de feiticeira,
de estrela-do-mar, de céu, de lua cheia,
de garça perdida na areia.
Anoiteceu no meu olhar,
perdi as penas, não posso voar,
deixei filhos e ninhos,
cuidados, carinhos, no mar...
Só sei voar dentro de mim
de neste sonho abraçar
o céu sem fim, o mar, a terra inteira!
E trago o mar dentro de mim,
com o céu vivo a sonhar e vou sonhar até ao fim,
até não mais acordar...
Então, voltarei a cruzar este céu e este mar,
voarei, voarei sem parar á volta da terra inteira!
Ninhos faria de lua cheia e depois,
dormiria na areia..."




domingo, 12 de setembro de 2010

Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos






Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.

(…)
António Gedeão

sábado, 4 de setembro de 2010

NO FIM DO VERÃO




No fim do verão as crianças voltam,

correm no molhe, correm no vento.

Tive medo que não voltassem.

Porque as crianças às vezes não

regressam. Não se sabe porquê

mas também elas

morrem.

Elas, frutos solares:

laranjas romãs

dióspiros. Sumarentas

no outono. A que vive dentro de mim

também voltou; continua a correr

nos meus dias. Sinto os seus olhos

rirem; seus olhos

pequenos brilhar como pregos

cromados. Sinto os seus dedos

cantar como a chuva.

A criança voltou. Corre no vento.


Eugénio de Andrade, O Sal da Língua